domingo, 19 de fevereiro de 2012

Linha A - História Viva



Nas últimas 2 semanas estive sozinho em Buenos Aires porque minha familia foi ao Brasil aproveitar as férias. Nesse tempo consegui comer tudo o que havia na geladeira e então tive que sair às compras.

Não tenho nenhum problema com os supermercados próximos a minha casa e de fato todos são muito bons mas queria experimentar novas opções e tentar encontrar algo que é realmente raro em Buenos Aires: coração de galinha.

Isso mesmo, em quase um ano vivendo na Argentina já busquei em difersos lugares, sempre sem sucesso, o que no Brasil a gente acha em qualquer açougue decente ou supermercado. Eles tem o hábito de comer somente as partes nobres do frango em especial o peito, ou o frango inteiro. Essas duas coisas você encontra com relativa facilidade, mas aí fica sempre aquela pergunta: o que eles fazem com o resto do frango?

Em conversas com o pessoal do meu trabalho já escutei que eles jogam fora, que exportam para o Brasil, que usam os miúdos para fazer ração de cachorro, mas em nenhuma delas existe muita certeza ou confirmação. Percebi aí que eles nunca pararam para pensar nisso, eles simplesmente comem o que está disónível sem questionar o quer acontece com o resto.

De fato, quando falo que no Brasil coração, moela e fígado são iguarias muito apreciadas do frango, frequentemente a reação dos argentinos é de repúdio. "Como é que vocês conseguem comer essas coisas?" é o que escuto quase sempre.

Bem, seja lá como for, diferenças culturais à parte, resolvi que a escassez a que estava submetido naquele momento me fez tomar coragem e buscar outros points de compra.

Em conversas sobre o assunto recebi uma dica de um mercadinho de bairro que prometia ser bastante atraente - Mercado del Progreso - que fica no bairro Barracas. Me disseram que, como lá existem várias tendas de venda de frango talvez eu encontrasse também os corações que tanto queria.

Como sempre faço quando tenho que ir a um local novo o primeiro passo foi descobrir exatamente onde fica o mercado e quais meios de transporte eu poderia utilizar para chegar lá. Para minha sorte, o mercado fica em frente à estação Primera Junta da linha A do metrô.

Isso me deu um ânimo especial. Pela primeira vez teria a oportunidade de andar na famosa linha A e que foi aberta ao público em 1 de dezembro de 1913, tornando-se o primeiro sistema metroviário da América Latina e do Hemisfério Sul. É a mais antiga das atuais 6 linhas que compõem o sistema de metrô de Buenos Aires e conta com um total de 18 estações ao longo de 10,7 km linha, toda ela construída subterrânea. O seu traçado acompanha a Avenida de Maio e parte da Avenida Rivadavia.

Tudo certo, lá fui eu no sábado de manhã. Saí bem cedo seguindo a orientação que o melhor é estar no mercado antes da 9:00h para evitar o tumulto das compras semanais. Tomei a linha D até a Catedral e depois a linha A na estação Perú. A estação por si só já é uma obra de arte urbana, com um estilo inconfundível do século passado. Mas o melhor ainda me esperava.

Estação Perú - Linha A

Quando o trem chegou eu fiquei realmente extasiado. Era um dos famosos vagões da empresa belga Brugeoise fabricados por volta de 1910 e que estão rodando desde a inauguração da linha A.

A carroceria é feita em madeira e, ainda que seu desenho atual não seja o original de fábrica, são mantidos com o máximo de autenticidade. Esses vagões são os mais antigos do mundo ainda em operação.

Interior original dos vagões da linha A - Fonte: Wikipedia

Vagão hoje

Como era um sábado bem cedo e eu peguei logo no início do trecho não havia muitas pessoas na estação nem no vagão e aí consegui me sentar e observar com atenção todos os detalhes daquele pedaço vivo da história. Da estação Perú até a Primera Junta são 12 estações percorridas em 25 minutos.

Foi uma viagem incrível, os bancos de madeira, a iluminação do vagão, as janelas com abertura manual e travadas por cintas de couro, o rangido das juntas, tudo te leva a uma época que não existe mais.

Bem, chegada a minha estação de destino, conheci o Mercado del Progreso que no fundo é apenas um pequeno mercadinho de bairro e que, para minha decepção, também não tinha os miúdos de frango que eu buscava. Mas já que estava ali e precisava mesmo comprar frutas, verduras e legumes, não voltei para casa de mãos vazias.

Claro que voltei também pela linha A.


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